Ela anda enjaulada, é verdade. Mas
continua viva na alma das mulheres
Sua beleza é arisca, arredia aos
modismos. Ela encanta por um não-sei-quê indefinível… mas que também agride o
olhar. É um tipo raro e não tem habitat definido: vive em Catmandu, mora no
prédio ao lado ou se mudou ontem para Barroquinha. E não deixou o endereço. É
ela, a mulher selvagem.
Em quase tudo ela é uma mulher comum:
pega metrô lotado, aproveita as promoções, bota o lixo para fora e tem dia que
desiste de sair porque se acha um trapo. Porém em tudo que faz exala um frescor
de liberdade. E também dá arrepios: você tem a impressão que viu uma loba na
espreita. Você se assusta, olha de novo… e quem está ali é a mulher doce e
simpática, ajeitando dengosa o cabelo, quase uma menininha. Mas por um segundo
você viu a loba, viu sim. É a mulher selvagem.
A sociedade tenta mas não pode
domesticá-la, ela se esquiva das regras. Quando você pensa que capturou,
escapole feito água entre os dedos. Quando pensa que finalmente a conhece, ela
surpreende outra vez. Tem a alma livre e só se submete quando quer. Por isso
escolhe seus parceiros entre os que cultuam a liberdade. E como os reconhece?
Como toda loba, pelo cheiro, por isso é bom não abusar de perfumes. Seu
movimento tem graça, o olhar destila uma sensualidade natural… mas, cuidado,
não vá passando a mão. Ela é um bicho, não esqueça. Gosta de afago mas também
arranha.
Repare que há sempre uma mecha
teimosa de cabelo: é o espírito selvagem que sopra em sua alma a refrescante
sensação de estar unida à Terra. É daí que vem sua força e beleza. E sua
sabedoria instintiva. Sim, ela é sábia pois está em harmonia com os ritmos da
Natureza. Por isso conhece a si mesma, sabe dos seus ciclos de crescimento e
não sabota a própria felicidade. Como todo bicho ela respeita seu corpo mas nem
sempre resiste às guloseimas. Riponga do mato, gabriela brejeira? Não
necessariamente, a maioria vive na cidade. E há dias paquera aquele pretinho
básico da vitrine. E adora dançar em noite de lua. Ah, então é uma bruxa…
Talvez, ela não liga para rótulos. Sabe que a imensidão do ser não cabe nas
definições.
Mulheres gostam de fazer mistério.
Ela não, ela é o mistério. Por uma razão simples: a mulher selvagem sabe que a
vida é uma coisa assombrosa e perfeita e viver é o mais sagrado dos rituais.
Ela sente as estações e se movimenta com os ventos, rindo da chuva e chorando
com os rios que morrem. Coleciona pedrinhas, fala com plantas e de uma hora
para outra quer ficar só, não insista. Não, ela não é uma esotérica deslumbrada
mas vive se deslumbrando: com as heroínas dos filmes, aquela livraria nova, um
presente inesperado… Ela se apaixona, sonha acordada e tem insônia por amor. As
injustiças do mundo a angustiam mas ela respira fundo e renova sua fé na
humanidade. Luta todos os dias por seus sonhos, adormece em meio a perguntas
sem respostas e desperta com o sussurro das manhãs em seu ouvido, mais um dia
perfeito para celebrar o imenso mistério de estar vivo.
Ela equilibra em si cultura e natureza,
movendo-se bela e poética entre os dois extremos da humana condição. Ela é
rara, sim, mas não é uma aberração, um desvio evolutivo. Pelo contrário: ela é
a mais arquetípica e genuína expressão da feminilidade, a eterna celebração do
sagrado feminino. Ela está aí nas ruas, todos os dias. A mulher selvagem ainda
sobrevive em todas as mulheres mas a maioria tem medo e a mantém enjaulada. Ela
é o que todas as mulheres são, sempre foram, mas a grande maioria esqueceu.
Felizmente algumas lembraram. Foram
incompreendidas, sim, mas lamberam suas feridas e encontraram o caminho de
volta à sua própria natureza. Esta crônica é uma homenagem a ela, a mulher
selvagem, o tipo que fascina os homens que não têm medo do feminino. Eles ficam
um pouco nervosos, é verdade, quando de repente se veem frente a frente com um
espécime desses. Por isso é que às vezes sobem correndo na primeira árvore. Mas
é normal. Depois eles descem, se aproximam desconfiados, trocam os cheiros e
aí… Bem, aí a Natureza sabe o que faz.
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Ricardo Kelmer –
blogdokelmer.wordpress.com
Este e outros textos você encontra no
livro Vocês
Terráqueas
Este e outros textos você encontra no livro Blues da Vida Crônica
Este e outros textos você encontra no livro Blues da Vida Crônica
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirEstou aqui retribuindo a visitinha que você fez ao Love Stories, adorei o seu Blog e já estou seguindo.
Beijos!
Olá Mari...Que bom que gostou...Também adorei o seu blog. Obrigada. Fiquei muito feliz! Bjs.
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